Conheça negras e negros que lutaram para o fim da escravidão no Brasil

Domingo, 13 de maio de 1888. Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon e Bragança, a princesa Isabel, sanciona a Lei Áurea, dando fim à escravidão do Brasil, regime que durou cerca de 300 anos. Uma multidão acompanha o ato ao lado de fora do Paço Imperial. A princesa, filha de Dom Pedro II, fica conhecida como “a Redentora”. 

Não há como negar que o 13 de maio, que celebra a abolição da escravatura, é um marco. 

Marco esse, porém, de uma história contada por apenas uma voz, que exalta a figura da princesa Isabel como heroína de uma trajetória com a presença de abolicionistas negros e escravizados, que lutaram para o fim do regime escravagista no Brasil, último país que manteve a escravidão nas Américas. 

A narrativa oficial, ao longo do século 20, tratou de apagar figuras como Maria Firmina dos Reis e Luis Gama e exaltar a assinatura de Isabel. 

Na prática, após o clamor social gerado pela Lei Áurea, negras e negros continuaram a ser escravos e, ao longo dos anos, a população negra foi marginalizada. Ainda hoje, mesmo representando mais de 50% da população, vários indicadores demonstram a desigualdade racial, potencializada pela pandemia da Covid-19. Entre abril e novembro de 2020, o percentual de pretos e pardos que tiveram como renda apenas o auxílio emergencial foi de 67,5% diante de 31,4% de brancos e 1,1% de amarelos e indígenas, segundo a Pnad Covid-19, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ainda segundo o levantamento, a taxa de mortalidade de pretos e pardos em 2020 foi de 27,8%, já a de brancos, 17,6%. 

Conhecer e reconhecer a luta de pessoas negras antes e depois da Lei Áurea nos ajuda a entender as nossas lacunas no combate à desigualdade racial e pelo antirracismo. Por isso, o DACOR reúne nomes importantes para a luta contra a escravidão ao longo do século 19, e que, ainda hoje, ajudam a entender esse período: 

MARIA FIRMINA DOS REIS, a primeira romancista brasileira 

Por meio da literatura, Maria Firmina dos Reis foi voz de resistência e luta contra a escravidão. Professora, poetisa e romancista, sua obra Úrsula, de 1859, é considerada o primeiro romance publicado por uma mulher negra em toda a América Latina – e o primeiro romance abolicionista de autoria feminina em todos os países de Língua Portuguesa. 

Nascida em São Luís, Maranhão, Maria Firmina escreveu sobre a desigualdade vivida pelos escravizados e pelas mulheres no século XIX. Em Úrsula, negros africanos e afrobrasileiros refletem, em primeira pessoa, a condição da escravidão e do contexto de opressão e patriacardo no Brasil.

No prólogo da obra, assinado por um pseudônimo da autora, se segue:  “Mesquinho e humilde livro é este que vos apresento, leitor. (…) Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e a conversação dos homens ilustrados”.

LUIS GAMA, o escravo que virou advogado 

Luís Gama foi responsável pela libertação de muitos escravizados, antes mesmo da abolição. Poeta, jornalista e advogado, nasceu em Salvador, filho de Luíza Mahin, escrava liberta que participou da revolta dos Malês, em 1835, e da Sabinada, de 1837 a 1838, pelo fim da escravidão. Luíza foi perseguida e fugiu para o Rio de Janeiro, onde desapareceu. 

Aos 10 anos, Luís foi vendido como escravo, e levado para São Paulo. Quando tinha 17 anos aprendeu a ler, reivindicou a sua liberdade a seu proprietário e a conseguiu. Tornou-se advogado autodidata e começou a apoiar a libertação de diversos escravos, entrando com ações na Justiça. Ele teria ajudado na alforria de cerca de 500 pessoas e solicitou o habeas corpus de negras e negros presos, especialmente em situação de fuga. 

“As vozes dos abolicionistas têm posto em relevo um fato altamente criminoso e assaz defendido pelas nossas indignas autoridades. A maior parte dos escravos africanos (…) foram importados depois da lei proibitiva do tráfico promulgada em 1831”, disse Gama na época.

ADELINA, A CHARUTEIRA informante dos abolicionistas

Ao vender charutos nas ruas de São Luís, no Largo do Carmo, Adelina foi informante e participou de diversos comícios abolicionistas no Maranhão.  Nascida em 1859 e filha de uma escrava com um senhor, Adelina recebeu a promessa de que seria libertada por seu pai aos 17 anos, mas o juramento não foi cumprido. Seu pai empobreceu, passou a fabricar charutos e ela virou vendedora dos produtos.

“A charuteira”, como passou a ser chamada, circulava pela cidade vendendo em bares e fregueses avulsos, como era o caso dos estudantes do Liceu, no Largo do Carmo, com os quais assistiu comícios abolicionistas promovidos por eles. 

Como conhecia as rotas e ruas da cidade, a jovem virou informante das ações da polícia aos ativistas, ajudando inclusive na fuga de escravos. Somente em 1876 ela conseguiu sua alforria e manteve sua luta pelo fim da escravidão.   

JOSÉ DO PATROCÍNIO, “o Tigre da Abolição”

Por meio da escrita e do trabalho jornalístico, José do Patrocínio foi orador na campanha em prol da abolição da escravatura. Nascido em Campos, no Rio de Janeiro, em 1854, era filho de Justina Maria do Espírito Santo, quitandeira e escrava liberta, e do cônego José Carlos Monteiro. Mudou-se para a capital carioca para estudar Farmácia, mas pouco exerceu a profissão. 

Em 1877, começou a escrever na Gazeta de Notícias. Dois anos depois, iniciou no jornal a campanha pela Abolição, com outros jornalistas como Ferreira de Meneses, Joaquim Nabuco, Lopes Trovão, Ubaldino do Amaral, Teodoro Sampaio e Paula Nei. O jornalista foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, e ocupou a Cadeira n.º 21, cujo patrono é Joaquim Serra.

FRANCISCO JOSÉ DO NASCIMENTO, O DRAGÃO DO MAR 

Francisco José do Nascimento, foi um jangadeiro que se recusou a fazer parte do mercado de escravos no Ceará. O movimento liderado por ele impediu o transporte de pessoas escravizadas no porto de Fortaleza, sendo um importante marco no movimento abolicionista na região. 

Nascido em 1839, em Aracati, no Ceará, Francisco, conhecido como Chico da Matilde, tinha 42 anos quando liderou a greve dos jangadeiros, em 1881. Em 1884, o Ceará tornou-se a primeira província brasileira a abolir a escravidão, quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea. Na ocasião, Dragão do Mar foi ao Rio de Janeiro com seus companheiros, onde participou das comemorações pela abolição no Ceará. Nessa viagem, levou sua embarcação chamada “Liberdade”, a bordo de um navio mercante. 

 

ANDRÉ REBOUÇAS

André Rebouças fazia a ponte entre o abolicionismo das ruas e o dos gabinetes políticos. Considerado um dos principais articuladores do fim da escravidão, defendia que a abolição fosse seguida de uma reforma agrária, que destinasse terras para os ex-escravos.

André Pinto Rebouças nasceu durante a Sabinada, revolta acontecida na Bahia entre 1837 e 1838, na cidade de Cachoeira, localizada no Recôncavo Baiano. Engenheiro militar, participou da Guerra do Paraguai e, na década de 1880, engajou-se na campanha abolicionista, colaborando na criação da Sociedade Brasileira contra a Escravidão, ao lado de Joaquim Nabuco e José do Patrocínio. Também participou da Confederação Abolicionista e foi redator dos estatutos da Associação Central Emancipadora.