Danila Ramos: a primeira brasileira negra campeã mundial de boxe

Conheça a história e as conquistas da boxeadora profissional, além de sua luta (dentro e fora do ringue) por um esporte mais igualitário para as mulheres

Por Dandara Fonseca

O primeiro contato de Danila Ramos com o boxe foi aos 18 anos. O motivo? Descontar a raiva após uma briga com o namorado da época. No entanto, o que era pra ser apenas uma forma de lidar com o estresse acabou se tornando uma paixão longa e duradoura pelo esporte. Em 2023, após quase 20 anos se dedicando ao boxe, a paulista nascida e criada na cidade de Mogi das Cruzes se tornou campeã interina da categoria superpena da Organização Mundial de Boxe.

Aos 38 anos, Danila — que hoje vive na Argentina — tem 15 lutas no boxe profissional, colecionando 12 vitórias. No final do ano passado, ela perdeu o título para a supercampeã Amanda Serrano, mas não deixou de fazer história: a luta foi a primeira disputa de cinturão mundial feminino de boxe com 12 assaltos de três minutos, provando que as mulheres conseguem, sim, lutar a mesma duração que os homens.

Na entrevista a seguir, Danila relembra sua trajetória, fala sobre maternidade e reflete sobre as lutas (tanto dentro quanto fora dos ringues) porque as mulheres ainda precisam vencer para que o boxe seja um esporte mais justo.

Me tornar a primeira mulher negra campeã mundial de boxe da história do Brasil é muito emocionante porque eu venho nessa batalha há muitos anos

Dacor. Me conta um pouco da sua infância: onde você nasceu e cresceu?

Danila.  Eu sou de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Nasci na Vila Cleo, em uma comunidade de apartamentos da CDHU. Fui criada só pela minha mãe, que é enfermeira, porque nessa época meu pai ficou 10 anos preso no Carandiru. Ele inclusive esteve na época do massacre, em 1992. Então, durante 10 anos da minha vida fiquei indo na porta da cadeia. Mesmo humilde, tive uma infância muito boa. Minha mãe sempre deu tudo o que podia e me motivou muito a estudar. Tudo que era curso, tudo que era esporte, todas as atividades extras que tinham na escola, eu participava.

Quando a sua relação com o esporte se intensificou?

Meu pai saiu da cadeia e faleceu aos 38 anos, vítima de uma doença que pegou lá dentro. Eu tinha 17 e fiquei perdida durante um ano. Depois desse período, minha mãe me disse que eu não poderia ficar sem fazer nada e eu decidi fazer educação física. Era a matéria que eu mais me identificava, justamente por gostar de ser livre e de ensinar. 

De que forma e quando o boxe entra na sua história?

No final do primeiro ano eu tive um namorado, aquele primeiro amor. Certo dia eu tinha brigado com ele, estava muito chateada, e vi o boxe na televisão. Decidi ir à academia, dar umas porradas e foi amor à primeira vista. 

Comecei a treinar e, após uns 6 meses, meu treinador perguntou se eu queria competir. Foi aí que o boxe começou a abrir as janelas para aquela menina sonhadora que achava que ia ser professora. Eu era a primeira pessoa que estava fazendo faculdade na família, então não tinha essa ideia de ‘você vai viajar, vai conhecer outras cidades’. Minha primeira luta foi em 2005, na cidade de Botucacu, interior de São Paulo. Eu fui campeã dos Jogos Abertos do Interior e não parei mais. Viajei pra Bahia e, no ano de 2007, entrei na Seleção Brasileira. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Como foi a experiência de fazer parte da Seleção Brasileira?

Eram pouquíssimas mulheres, nós fomos pioneiras mesmo. No Estado de São Paulo, eu fui uma das primeiras, porque o boxe feminino é muito jovem. É por isso que estamos na batalha, nós não temos a história que o boxe masculino tem. No ano de 2007, eu fiz minha primeira competição internacional e foi onde eu conheci o meu atual esposo, que era treinador da Seleção Argentina de boxe. 

É essa história de amor que te leva para a Argentina? 

Nós começamos a namorar e ele se mudou pro Brasil pra ficar comigo, ficamos cinco anos aí. Foi quando eu dei uma pausa na minha carreira porque eu queria ser mãe e engravidei. Planejamos tudo certinho, mas o destino nos pregou uma peça: ele teve câncer e estava quase morrendo. Meu marido voltou para a Argentina para fazer o tratamento e eu tive que ficar no Brasil, porque precisava do dinheiro do bolsa-atleta e, depois, queria voltar a competir. Ele se curou e, em 2014, eu me mudei para a Argentina. Faz 10 anos que estou morando aqui.

Você sofreu preconceito por ser uma mulher negra no boxe? 

Muito preconceito por ser mulher. As pessoas diziam pra mim que lugar de mulher era no fogão, que eu não servia pra lutar boxe, que o esporte ia me desfigurar. Eu não tive apoio de ninguém, tanto que os primeiros a falarem essas coisas eram da minha família, inclusive a minha mãe. Mas eles não diziam porque não acreditavam em mim e sim porque achavam um esporte de homem, não queriam que eu me machucasse. Mas eu sofri muito preconceito no começo. Certa vez, machuquei minha mão e me disseram que se eu tivesse feito ballet, isso não teria acontecido. 

Como você lidava com tudo isso? 

Eu tive que aprender, na marra, a driblar todos esses preconceitos, todas essas brincadeiras. Eu falava: “vocês não precisam gostar, não precisam me apoiar, mas tem que me respeitar. Eu tenho 19 anos, decidi ser boxeadora e é isso que vou ser.” Minha mãe só pediu pra que eu não parasse de estudar e meu trabalho de conclusão de curso é, até hoje, o único da faculdade sobre boxe. 

É difícil a experiência de ser mãe e atleta ao mesmo tempo?

No início, eu levava a minha filha, que hoje tem 11 anos, para competir comigo e descia do ringue para dar de mamar pra ela. Eu não tinha opção: se parasse, não recebia. E muitas mulheres no Brasil passam pela mesma situação. É uma parte muito marcante da minha vida, porque ser atleta e mãe ao mesmo tempo é muito difícil.

Como é morar na Argentina? 

Não existem muitas pessoas negras aqui. Então, os argentinos me perguntam em todo lugar de onde eu sou. Eles acham que, por ser negra, não posso ser argentina. Às vezes cansa, é desgastante, acho ofensivo. Eu, Danila, não tomo como um racismo, mas outras pessoas poderiam. Já no boxe é mais tranquilo, afinal, aqui é o país com o maior número de campeãs mundiais. Eu inclusive ganhei o Mundial lutando contra a campeã argentina. Isso pra mim é mostrar o que uma mulher negra e imigrante pode fazer. 

Me conta um pouco das suas conquistas?

Eu sempre tive o sonho de ser campeã mundial, então eu trabalhei muito duro, subi degrau por degrau, pra conquistar meu espaço. Em 2022, fui campeã brasileira e, em fevereiro de 2023, campeã sul-americana. Em agosto, surge a oportunidade de disputar o Mundial, e aí foi onde eu conquistei. 

Depois dessa luta, disputei o título para ser campeã unificada, mas perdi. Ou seja, eu sempre serei campeã mundial, mas o título hoje não é mais meu. Nessa luta, que foi contra a Amanda Serrano, nós nos tornamos as primeiras mulheres da América do Sul  a disputar 12 assaltos de 3 minutos — no boxe feminino são 10 rounds de 2 minutos. 

E como você se sentiu? 

Eu sempre quis ser campeã mundial não só pra mim, mas para deixar o meu legado, para motivar a nova geração. Tudo que eu tenho feito é pelo boxe feminino: mudar de país, largar minha cidade e meu povo para conseguir um espaço no esporte… Me tornar a primeira mulher negra campeã mundial de boxe da história do Brasil é muito emocionante porque eu venho nessa batalha há muitos anos. Inclusive para o boxe feminino entrar nas olimpíadas e ser mais conhecido no Brasil.

Depois do Campeonato Mundial, os patrocinadores vieram? 

Não, é muito difícil e muito triste. Eu sou uma campeã mundial sem nenhum patrocínio, não tenho nenhuma ajuda financeira, nem do meu país. Aqui na Argentina eu já tentei várias vezes, mas eu sou brasileira, né? Por mais que eu tenha fãs, pessoas que gostam do meu trabalho, eles são muito competitivos. O que eu tenho é uma academia e uma tenda online de roupas esportivas. É com ela que consigo comprar o meu suplemento, consigo bancar a minha alimentação.

Por ser uma mulher negra, você sente uma diferença no reconhecimento das suas conquistas no boxe?

Por ser uma mulher, sim. O reconhecimento, a divulgação que um homem recebe quando ganha um campeonato mundial é muito maior. Se fosse um homem no meu lugar, teria ganhado milhões de dólares. Eu ganhei quase nada. O que eles pagam pra gente é uma miséria comparado ao que ganha um homem. E pelo simples fato de ser mulher. 

O que podemos fazer, o que tem que acontecer para que existam cada vez mais boxeadoras brasileiras? 

Eu acredito que temos que continuar trabalhando, continuar em cima da mídia pedindo pra que eles divulguem as conquistas, mostrar a importância da mulher negra no esporte, da mulher no boxe. Com 38 anos, eu já não tenho mais muitos anos de boxe pela frente. 

Mas vou continuar lutando pelo boxe feminino, porque é importante que as pessoas ouçam falar do nosso esporte. E espero que, daqui uns 10 anos, seja melhor para as nossas meninas. 

Quais são os seus próximos objetivos no boxe? 

Meu objetivo hoje é abrir um instituto para tirar crianças da rua no bairro onde eu nasci e cresci. Quando estou em Mogi das Cruzes e visito escolas, vejo relatos muito fortes de meninas que já sofreram abusos e tiveram a vida modificada pelo esporte após saber da minha história. Pra mim isso é dever cumprido, porque como eu falei, eu nunca quis ser uma campeã para mim, eu sempre quis deixar um legado. Já em relação ao esporte, eu sonho em ganhar uma medalha olímpica. E se mais um título mundial vier, eu vou pra cima! 

 

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