Este artigo destaca as aparições de imagens de negros nas mídias. Conforme a bibliografia que analisa o assunto, principalmente, nas imagens, os negros aparecem:
- Na posição de trabalhadores braçais e no subemprego do turismo;
- Povos calorosos, exóticos, erotizados, incultos, lindos e primitivos;
- Contentes, ‘bons de bola’, de samba, carregados de superstições
Serão essas as únicas condições da realidade dessas pessoas?
O corpo do negro foi (e é) objeto de todo tipo de apoderamento. Já o consumismo, por meio da de transformar tudo em mercadoria, atualiza essa violência e se apropria do corpo do negro, sua expressão, sua cultura e sua crença para produzir mais e muito mais produtos. Para tanto, as imagens dos negros têm sido representadas a partir de “traços estereotipados.
Estas vidas, lugares e expectativas não são mais simples fenômenos naturais ou sociais, mas produtos de uma elaboração discursiva industrial.
O CLICHÊ TURÍSTICO
Originalmente, clichê (ou estereótipo) é uma lâmina de metal que serve à impressão de imagens e textos em uma prensa tipográfica. Isto é, de uma única placa modelo será possível confeccionar um sem-fim de cópias, que serão meras redundâncias da forma que as criou. Por derivação, tal ideia pode ser aplicada a tudo o que é banalizado por ser muito repetido. Utilizamos aqui ‘clichê’ como uma metáfora. Sendo assim, o ‘clichê turístico’ é a produção em grande volume das imagens dos lugares, pessoas e culturas para que estas consigam ser consumidas um sem-fim de vezes. É uma forma de uniformização que tende a propiciar um consumo igualmente padronizado (embora aparentemente diverso, único e especial); é a comodificação dos elementos por ele retratados. Para tanto, o clichê (ou estereótipo) turístico deve operar como um rótulo, uma atenuação da complexidade do tipo apresentado (seja ele humano, cultural, animal, vegetal, histórico, artístico, geográfico, tecnológico etc.), por meio de uma forte certeza preconcebida sobre algo (ou alguém), afinal, é uma forma de preconceito e gera expectativa, promove a possibilidade do estabelecimento antecipado de critérios de julgamento e, é claro, de generalizações. A reflexão sobre o olhar do turista é reveladora: Nós não vemos as coisas literalmente. Sobretudo como turistas, vemos os objetos que são construídos como sinais. Eles representam algo mais. Quando olhamos como aquele que está visitando algo, o que vemos são vários signos ou clichês turísticos.
Determinados signos atuam como figura de linguagem A imagem do objeto torna-se em seu sentido. Existe, portanto, uma agenda cerimonial na qual se define aquilo que deveríamos ver e, algumas vezes, até mesmo a ordem em que as coisas devem ser vistas. O local visitado passa ser aquele monumento, aquela praia ou aquele festival, evitando uma visão mais aberta das relações sociais e da cultura ali efetivamente feitas.
Tais generalizações tornam-se possíveis pois a construção do clichê é elaborada por uma razão de pretender imputar um sentido muito geral aquilo que se vive como turista. Esta razão torna uma parte no todo. Por consequência, esse ‘todo’ torna-se referência para as outras partes. Porém, na realidade, isso torna o todo algo menor que a soma das partes. Portanto, é algo desafiador. Como turista, é difícil compreender a totalidade do atrativo visitado. Na maior parte das vezes se conseguirá uma visão incompleta.
A representação do negro como servidor do turismo é recorrente: lazer e trabalho paradoxalmente unidos. Os papéis estereotipados dos negros nas reportagens evidenciam o que é conhecido de ‘profissão lazer’, associando a imagem dos negros frequentemente ao lazer – dos brancos.
Ao apropriar-se do discurso do desenvolvimento turístico local, a comodificação se apropria das pessoas por meio da utilização da força de trabalho das populações que residem no lugar turístico como mão de obra. Os trabalhos são, via de regra, não criativos, repetitivos, restando aos residentes locais os papéis de limpeza, atendimento ao público, garçons etc. O pensamento abissal – no domínio do conhecimento que permeia o turismo – utiliza como guias os habitantes locais que possuem saberes sobre o local.
Para pensar
Desta forma, por meio do clichê, a imagem dos negros é associada ao exotismo. Uma das imagens mais marcantes é a das meninas africanas da etnia himba, nuas, com peitos à mostra. Haveria a possibilidade de a revista apresentar nuas, meninas brancas brasileiras ou europeias da mesma idade das meninas? Estas são exibidas porque é ‘próprio de sua cultura’ estarem nuas? Por que não exibiram meninos himba? Esta imagem pode estimular a exploração das negras no turismo sexual? Consideramos a hipótese de que a situação dos negros no turismo é a de que “encontram-se ‘sexualizados’ […] não é por ‘estarem mais perto da Natureza’, mas por serem escravos e explorados” (BAUDRILLARD, 2007, p.146). Por fim, a revista seria capaz retratá-las sem expô-las? Nesta direção, nossas hipóteses evidenciam a identificação de símbolos de um novo colonialismo.
‘Pobre, porém feliz’, conhecido jargão brasileiro, pode ser traduzido com as palavras ‘vida simples’. A busca ‘pela simplicidade perdida’ com a contemporaneidade encontra terreno propício na leitura que o turismo (moderno, ocidental, branco, masculino, consumista, racista, sexista) faz dos povos da África. É a ação da razão metonímica que não confere o presente e mantém na representação congelada, a história de um povo, retratando-os como primitivos, atrasados, belos e incultos e, portanto, mercadorias de primeira grandeza para os consumidores do turismo das sociedades ocidentais atuais.
Estes povos minimizados a atrativos turísticos são tratados, muitas vezes, como objetos para suprir a mera curiosidade consumista do mercado das sociedades ocidentais atuais Está aí o tratamento metonímico, portanto, assimétrico e hierárquico, na qual as sociedades ocidentais contemporâneas são o termo dominante e as culturas ‘primitivas’ são o termo dominado.
Tal conjuntura restringe a possibilidade das experiências, da troca, do aprendizado mútuo: isso resulta em uma pobreza que não é a expressão de uma carência, porém antes a expressão de uma arrogância, a arrogância de não se desejar visualizar e muito menos valorizar a experiência que nos cerca apenas porque está fora da razão com que a podemos identificar e dar valor.