QUANDO AS QUESTÕES RACIAIS ENCONTRAM A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA

QUANDO AS QUESTÕES RACIAIS ENCONTRAM A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA

 

Donald R. Kinder e David O. Sears, estudiosos das universidades de Yale e da Califórnia, já na década de 1970, indicaram a presença do racismo simbólico. Para esses pesquisadores, tal conceito se pautava no fato de que uma das vertentes do preconceito racial era fundamentada na ideologia de que os negros violavam os valores da ética protestante do povo norte-americano. Não era necessariamente uma motivação baseada no preenchimento de vagas no mercado de trabalho, algo que afetaria seu capital econômico, mas sim, que afetaria o capital simbólico da nação. No entanto, é importante frisar que essa  atual forma de racismo é tão ou muito mais danosa que manifestações mais abertas, representando um risco constante, uma vez que pode ser convertida em agressões físicas.

No Brasil, uma forma de violência simbólica está no uso dos estereótipos associados aos negros. Segundo o sociólogo jamaicano Stuart Hall, a estereotipagem é parte da conservação da ordem social e simbólica. Determinados estereótipos nacionais relacionam a imagem do negro à preguiça e a figura da mulher negra à expressão racista “mulata”, mulher feita para apenas atender prazeres sexuais.

Pesquisas recentes revelam que, ao contrário do aguardado após o surgimento das leis anti racistas, o racismo não cessou, mas tomou outras formas menos abertas e flagrantes. É importante salientar que o enfrentamento ao racismo pode começar na linguagem. Enunciados cotidianos no Brasil, diálogos repletos de grande teor racista, por meio do método de análise de termos do cotidiano.Como, por exemplo, a ‘cor do pecado’, para as moças de pele negra, como se fosse um elogio, sendo que isso é uma estigmatização bastante grande, que passa pela linguagem, e que é um discurso reconhecido como elogioso”.

 

 

A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA

 

O conceito de “violência simbólica” foi elaborado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, referindo-se à “violência” provocada pela classe dominante sobre a classe dominada na sociedade francesa. Esta violência ocorre no campo simbólico dos indivíduos que por habitus assimilam e difundem os signos de dominação inseridos em suas interações sociais.

Desta forma, a classe dominante “impõe” como autêntica e correta somente a sua cultura. Assim sendo, consegue manter o seu poder socioeconômico sobre os dominados. Por sua vez, a parcela dominada da sociedade acha que o poder e a violência simbólica se manifestam apenas como tradição e hábito de classe, como algo contraído e não estabelecido dos de cima para baixo.

 

Desse modo, a violência simbólica é, na realidade, disfarçada das relações humanas, porém, os “dominantes” sempre colocam algo sobre os denominados “dominados”. Conforme Bourdieu, a “violência simbólica” tem sua base na força material. Portanto, aqueles grupos com um maior capital cultural seriam aqueles que apresentam maiores sucessos em suas ações escolares.

Para os sociólogos que estudam esse tema, os indivíduos que são vítimas deste tipo de violência têm características comuns, como fragilidades, pequena autoestima, baixo desempenho escolar, etc. Estes sujeitos caracterizam-se por serem frutos de uma classe dominada, constituindo-se como inseguros e submissos. Para o autor, a violência simbólica é “a capacidade que tem os grupos detentores do poder de violência material, de imposição aos grupos dominados, significações legítimas”. Dessa forma, os indivíduos da classe dominante têm convicção que são os detentores do poder, e a partir daí se acham no direito de efetuar violência simbólica sobre os outros setores da sociedade.

O conceito de violência simbólica pode ter um amplo sentido. De forma geral, é possível compreendê-lo enquanto um prejuízo provocado de forma moral às pessoas que se torna física em função do processo de dominação que se traduz no plano socioeconômico. Assim sendo, a prática da violência simbólica se remete primeiramente aos domínios verbais e sociais para se materializar por meio da aceitação e da reprodução de seus signos no plano real das relações sociais.

Pode-se observar, portanto, que o capital cultural é um elemento importante para a ocorrência da violência simbólica por parte dos dominantes. De acordo com Bourdieu, o capital cultural nada mais é do que o ter que se transformou no ser, pois se busca tratar daquilo que você tem para o que você vai ser, e logo a escola passa a reproduzir o que já observamos na sociedade, por este estar intrinsecamente relacionado ao capital econômico.

Bourdieu observa a desigualdade presente entre os indivíduos que apresentam família que investem em seus filhos por meio de seu poder econômico e os que não detêm condição financeira familiar para transformar capital financeiro em capital cultural. As famílias que investem em cultura e em educação, notoriamente, desenvolvem as alternativas para que seus filhos melhorem o seu desempenho escolar, por exemplo, através de aulas de reforço ou adicionais

Vidal Dias da Mota Junior

Descendente de quilombolas do Vale do Ribeira. Professor universitário. Graduado em Ciências Sociais - UNESP; Especialista em Gestão Pública e Gerência de Cidades - UNESP, Mestre em Ciências Sociais- UFSCar; Doutor em Ciências Sociais - UNICAMP e Pós-Doutor em Ciências Ambientais - UNESP.