Prefeitura de Cordeirópolis (SP) implanta Plano de Educação Antirracista a partir de curso do DACOR e IEARP USP

Formação do Instituto DACOR junto à Cátedra Sérgio Henrique Ferreira (USP) resulta em plano detalhado contra o racismo nas escolas do município

O ciclo de formação “Educação antirracista no chão da escola: o papel das Secretarias Municipais de Educação”, oferecido a 27 municípios dos estados de São Paulo e Alagoas pela Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto da USP, e pelo Instituto DACOR, resultou na elaboração do Plano Municipal de Educação Antirracista, de Cordeirópolis (SP). Elaborado pela Secretaria de Educação do município, o plano foi transformado em decreto pela prefeitura, e deverá ser monitorado e avaliado periodicamente pelo Conselho Municipal de Educação. 

A formação inicial que desencadeou essa iniciativa teve dois meses, com o objetivo sensibilizar os profissionais de educação sobre a importância de políticas públicas antirracistas e de equidade racial nas salas de aula. A partir disso, a proposta era gerar recomendações para a implementação de medidas concretas nas redes de ensino participantes. As atividades desse ciclo de formação traçaram um diagnóstico da maturidade de cada rede quanto à Educação das Relações Étnico-Raciais, (ERER), e demandaram a elaboração de um plano de ação.

Os participantes do curso foram apresentados à rubrica de monitoramento de políticas de ERER, desenvolvida pelo Instituto Dacor e pela Fundação Lemann, um instrumento avaliativo-formativo de acompanhamento de processo das ações e políticas voltadas para a temática. Essa rubrica é uma ferramenta para entender os desafios e as conquistas de cada rede quanto ao cumprimento da Lei 10.639.

“A gente pensava que fazia um bom trabalho e que não estava perpetuando o racismo. Tenho mais de 20 anos de magistério e foi só agora, ao escutar os educadores do curso falando com tanta propriedade sobre a educação antirracista, que eu percebi: estamos atrasados demais”, relatou Sandra Cristina André, Coordenadora de Projetos da Secretaria de Educação de Cordeirópolis. 

Sandra narra que no início de 2024 a equipe da Secretaria respondeu a um documento do Ministério da Educação (MEC) com perguntas sobre a Educação das Relações Étnico-Raciais (Erer), tornada obrigatória há mais de 20 anos pela Lei 10.639/03. Mediante as respostas, a equipe percebeu que não estava realizando esse trabalho em profundidade, o que gerou o interesse em participar da formação.

Depois de aplicar um instrumento de avaliação formativa, com insumos para identificar os pontos fortes e as principais necessidades para aprimorar o trabalho com a Erer, ficou ainda mais nítido o que estava faltando, segundo a coordenadora. Vidal Dias da Mota Júnior, diretor do Instituto Dacor, já havia pontuado durante o ciclo de formação sobre a importância de as redes promoverem a Educação para as Relações Étnico-Raciais “de maneira sistêmica, mediante ações conectadas, pois o racismo também age em todas as dimensões da política educacional”. 

“A educação é um espaço que tem, de forma consciente ou inconsciente, suas estruturas e práticas sustentadas por diretrizes racistas, que precisam ser apontadas, contestadas e suprimidas”, alerta Mota Júnior. Nesse sentido, tudo parte de um diagnóstico acurado, dificuldade comum a todas as cidades que fizeram o ciclo de formação. Das 27 redes participantes, 22 responderam à rubrica e foi possível identificar que há uma fragilidade generalizada na coleta das informações sobre composição racial dos estudantes e profissionais da educação – bem como dos dados de aprendizagem e de frequência com recorte racial. E o exemplo de Cordeirópolis (SP) ratificou essa lacuna. 

Cruel e silencioso

Sandra compartilha um exemplo que reflete uma triste realidade disseminada em todo o país. “Em outubro nós trabalhamos o tema do cyberbullying e recebemos relatos de alunas que sofriam bullying por causa da cor nas nossas escolas, e nós achávamos que não acontecia. Ter esses e outros dados auxilia na conscientização de que é preciso fazer alguma coisa.” Daí, a relevância de implementar uma educação que valorize a diversidade e combata o preconceito nas instituições de ensino através de uma abordagem estruturada e inclusiva, observa a educadora. 

“Apresentamos uma primeira versão do plano e recebemos um novo feedback de que ainda estava faltando uma leitura mais aprofundada de nossa realidade. A própria secretaria ainda não tinha um mapeamento sobre a necessidade desse trabalho. Quando olhamos os dados, percebemos: a proporção de alunos pretos e pardos que entram no primeiro ano do fundamental é muito maior do que a porcentagem dos estudantes que concluem o ensino médio. Começamos a nos questionar: por que isso acontece? Quais os motivos para essa perda? Como reverter isso?”, conta Sandra.

Os dados indicaram ainda que entre as pessoas de 18 a 29 anos no município, 60% dos brancos têm 12 anos ou mais de estudo, proporção invertida no caso de pretos e pardos, em que 58% não possui nem 12 anos de estudo. Nesse sentido, Larissa Maciel, analista de dados da Cátedra SHF e uma das responsáveis pela articulação do curso, alerta que um dos cuidados para analisar essas estatísticas é que pode haver imprecisão nos indicadores, pois muitos responsáveis preferem não declarar a raça dos estudantes na matrícula.

Detectar e atacar

Inclusive por esse motivo, o plano de Cordeirópolis (SP) reconhece fraquezas como: falta de uma estrutura para coleta e tratamento de dados raciais; falta de materiais educacionais que representem a população negra de maneira positiva; falta de reconhecimento quanto às contribuições dos africanos e afro-brasileiros para a sociedade brasileira; e falta de preparo dos professores para lidar com o racismo expresso por crianças. E assim propõe estratégias, ações e metas, como:

Incluir 30% de conteúdos africanos e afro-brasileiros no currículo;

Substituir ou complementar 50% dos materiais didáticos;

Reduzir em 50% nos casos relatados de racismo;

Organizar workshops e seminários anuais sobre diversidade e inclusão;

Estabelecer conselhos de Diversidade em todas as escolas;

Realizar avaliações semestrais a partir de indicadores bem definidos, métodos de coleta de dados, frequência de monitoramento e critérios de avaliação em todas as dimensões estabelecidas no plano

Formar uma equipe responsável pelo monitoramento e avaliação dos indicadores, composta por membros da comunidade escolar;

Identificar e alocar recursos necessários para a implementação das ações.

O decreto municipal assinado pelo prefeito José Adinan Ortolan estabelece a oferta de formação continuada a professores e gestores da rede, o desenvolvimento de metodologias que integrem conteúdos étnico-raciais nas diferentes áreas do conhecimento, além do fortalecimento das relações entre escola, comunidade e movimentos sociais. Por isso, as unidades escolares deverão promover espaços de diálogo e atividades que envolvam a participação de pais, alunos e entidades da sociedade civil.

“A versão final do plano de Cordeirópolis é bem fundamentada e organizada. Avançar para transformar esse material em uma política pública para a equidade racial é uma demonstração da necessidade concreta deste trabalho”, analisa Vidal Dias da Mota Júnior, diretor do Instituto DACOR. Ao longo de 2025, continuaremos acompanhando a evolução dessa iniciativa e traremos atualizações periódicas sobre os desafios e conquistas da cidade. 

Com informações do Jornal da USP e da Assessoria de Imprensa da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira