Lei 10.639/03, que torna obrigatório o estudo de cultura afro-brasileira, ainda não é cumprida no país
Estudo do Instituto DACOR, realizado em parceria com Insper, busca explicar os motivos pelos quais a implementação da Lei nº 10.639/03 ainda é incipiente em quase 20 anos após sua promulgação.
O estudo mapeou medidas legislativas adotadas nas capitais e estados brasileiros, com o intuito de compreender como cada ente se posicionou frente às obrigações impostas por essa norma. A conclusão foi que, infelizmente, apesar de estar em vigor há quase 20 anos, a Lei ainda não é devidamente cumprida.
Segundo Helton Souto Lima, presidente do DACOR, para que a lei seja cumprida em todo o país, é preciso, acima de tudo, interesse dos governantes na sua aplicação:
“Precisamos atuar para que essa lei tenha maior capilaridade e impacto nos sistemas e redes de ensino, bem como nas práticas pedagógicas escolares. Tudo para que possam ser representativas da pluralidade histórica, racial e cultural que são as características fundamentais da civilização brasileira.”
Como foi realizado o estudo
O levantamento utilizou os seguintes critérios para classificar as medidas legislativas encontradas: o tipo de norma (lei, decreto, portaria, edital), a fonte (repositório oficial, por exemplo), o(s) dispositivo(s) que possuem conexão com o problema, sua relação com as leis federais originais, suas especificidades (o grau de detalhamento e providências previstas) e sua posição em relação às normas originais.
As normas foram classificadas da seguinte maneira:
- Análoga, caso ela apresente o mesmo conteúdo da Lei nº 9.394/1996;
- Complementar, se ela não menciona as leis, nem tenha conteúdo semelhante, mas complementa tais leis com informações relevantes;
- Instrumental, caso ela especifique maneiras de implementar as leis citadas acima;
- Direta, caso tenha aplicação direta.
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Instrumentos identificados nas capitais brasileiras
Os dados obtidos sugerem que a legislação adotada nas capitais brasileiras varia em termos de especificidade e de proximidade com o que a Lei de Diretrizes e Bases determina. A medida legislativa mais comum nos municípios pesquisados foi a de aprovação, criação ou modificação do Plano Municipal de Educação (PME), para que o currículo escolar incluísse as matérias exigidas pela lei federal 10.639/03.
Sobre a Lei 10.639/03 nos estados
Nos estados, as medidas mais comuns encontradas foram aquelas explicitadas nos Planos Estaduais de Educação e na Constituição Estadual, em forma de meta ou estratégia. Nestes documentos, é possível observar certo padrão em relação ao grau de especificidade e ao texto normativo. Por exemplo, nos Planos de Educação dos estados do Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Maranhão e Minas Gerais, existem metas que dizem respeito à implementação de um programa de estudo e de um currículo que abranja a história afro-brasileira e indígena. Entretanto, quase nenhum dos dispositivos encontrados apresenta um modelo ou modos de implementação para tal programa.
É possível observar que existe certo padrão na redação de tais normas, seja pelo fato de os estados terem se dedicado da mesma maneira para institucionalizar a lei, seja pelo desenvolvimento de certo padrão para facilitar a implementação de leis estaduais. Em relação à redação, observa-se, por exemplo, no Plano Estadual de Educação do Amapá e da Bahia, as seguintes redações, muito parecidas, quando se trata das estratégias.
Em relação ao grau de especificidade das leis estaduais, apenas uma delas atingiu o grau máximo: a Lei 8271/18, do Rio de Janeiro, na qual são estimadas a receita e a despesa para a aquisição de material didático.
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Considerações e próximos passos
Este boletim do Instituto DACOR buscou, em parceria com o Curso de Direito do Insper, apresentar um estado da arte, ainda que de forma exploratória, e demonstrar melhor compreensão do panorama da implementação da Lei 10.639/03 nos estados e capitais.
Foi verificado, ainda de forma preliminar, que a implementação de uma educação voltada para as relações étnico-raciais como forma de se buscar construir uma educação que garanta a diversidade, a pluralidade, a inclusão das diversas matrizes que formam o povo e a cultura brasileira, mostra-se ainda irregular, incipiente e dispersa.
Faz-se devido, portanto, nesse momento, que a legislação da educação para as relações étnico-raciais no Brasil tenha maior capilaridade e impacto nos sistemas e redes de ensino, bem como nas práticas pedagógicas escolares que possam ser representativas da pluralidade histórica, racial e cultural que são as características fundamentais da sociedade brasileira.
Segundo o Vidal Mota Júnior, cientista social e coordenador do projeto, para que a lei seja cumprida em todo o país, é preciso, acima de tudo, interesse dos governantes na sua aplicação:
A lei não foi acompanhada de um conjunto de prazos e metas para que houvesse a adesão dos diferentes níveis de governo de uma forma mais plena. Isso também reflete como cada local trata a pauta da equidade racial, pois, em muitas regiões, é possível encontrar resistência a essa agenda, que não é considerada prioritária, o que reflete como a lei é aplicada. Podemos destacar ainda os fatos de que a formação de professores para as questões étnico-raciais ainda é incipiente, tanto nas licenciaturas, quanto nas redes de ensino, e de que há poucos autores negros na composição dos materiais didáticos.
Os instrumentos jurídicos e institucionais para o cumprimento da lei são fundamentais para o combate ao silenciamento, invisibilização e devem ser pautados na busca por um currículo escolar que inclua a maioria da população e a formação da sociedade brasileira, às vésperas de se completar 20 anos de existência da Lei 10.639/03.
O DACOR segue firme na sua missão de atuar em prol da construção de uma sociedade com mais equidade racial e acredita na educação como caminho para isso. Além da continuidade no aprofundamento das políticas relacionadas à educação antirracista, também realizamos assessorias técnicas para redes de ensino públicas e privadas.
Ouça o episódio de podcast sobre as conclusões do Boletim: